Lasar Segall: sempre a mesma lua

EXPOSIÇÃO

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A lua não pertence a um tempo ou a um lugar determinado: sua condição errante oferece claridade sem distinção, e seus ciclos bem marcados orientam há milênios o tempo cósmico e espiritual do calendário judaico. A exposição Lasar Segall: sempre a mesma lua parte da associação entre essa imagem e o afeto determinante atribuído por Segall à sua identidade judaica: um “profundo sentimento humano”. 

Como um princípio entrelaçado ao tecido de suas memórias de infância, esse sentimento o acompanha conforme seu destino, assim como a lua se transforma mantendo-se sempre a mesma. É nesse sentido que a exposição confere à lua a função poética de condensar, na obra de Segall, o horizonte universal de sua arte — relacionada ao que é comum à experiência humana, em qualquer tempo ou lugar.

Eternos caminhantes, 1919. Acervo Museu Lasar Segall. Créditos: Museu Lasar Segall – Ibram-MinC

A mostra apresenta 60 obras — entre pinturas, gravuras, desenhos e aquarelas — de um dos mais importantes artistas brasileiros do século xx.  Nascido em 1889 em Vilnius, Segall cresceu na confluência entre a ortodoxia religiosa e as tradições seculares. Seu pai era um escriba da Torá, atividade de caráter místico e artesanal, que se configurou como herança estruturante tanto para seu modo de ver o mundo quanto para despertar seu interesse pela arte.

Inserido em um contexto que associa a representação figurativa à idolatria, a decisão de Segall de estudar artes teve a dimensão de uma ruptura com um paradigma fortemente estabelecido em seu meio cultural. Sob o impacto da modernidade em expansão, Segall elaborou uma linguagem própria, nutrida por sua ascendência de judeu russo, pela cultura da Europa Oriental e pela intensidade emocional da vida espiritual da região. A proximidade com a condição material dos pobres, dos errantes e dos doentes encontra forte ressonância em sua obra.

Em 1923 Segall emigra definitivamente para o Brasil, tornando-se figura incontornável na formação da modernidade artística brasileira. Em busca de novas relações entre forma, cor e espaço, sua pintura se expande, dando sequência às investigações formais anteriores, em uma espécie de “transcriação” de linguagens. Os tons tropicais passam a conviver com as cores densas do tempo que ele passou na Alemanha, instaurando vínculos entre experiências distintas.

Nos anos 1930, a irrupção da Segunda Guerra reacende a dimensão trágica da condição humana. A dor dos deslocamentos, das perseguições e das perdas reaparece nas tonalidades terrosas e em atmosferas opacas. No Brasil, sua condição de imigrante russo e judeu tampouco o deixou imune aos preconceitos que sustentam e inflamam as violências. Tensões que nunca deixaram de frequentar sua vida. Por ocasião de uma grande retrospectiva realizada no Museu Nacional de Belas Artes, em 1943, Vinicius de Moraes publicou um artigo que defendia Segall do tom reacionário que o artista havia recebido da crítica. Ao final o poeta relembra, em uma história contada por Rubem Braga, o retornelo de uma jornada: “certa vez, ao falar sobre a lua, Segall teria olhado para o céu e dito, com serenidade, ‘Essa velha lua, amigo, sempre a mesma…’”.

Patricia Wagner
curadora

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