Algumas pessoas marcam gerações. É o caso de Daniel Azulay. Com um carisma singular, o judeu carioca, nascido em 1947, foi um artista para lá de versátil. Atuou como desenhista, educador, apresentador de televisão, compositor, inventor, empresário, designer e até mesmo tenista. Quem foi criança entre o fim da década de 1970 e o início da década de 1990 deve se lembrar de Daniel com roupas coloridas, gravatinha-borboleta e cabelo desalinhado exclamando seu famoso bordão: “Algodão doce pra você!”.
Era o filho caçula de uma família judia sefardita. Tanto seu pai, Fortunato Azulay, como sua mãe, Clara Israel, tinham raízes em Tetuan, no Marrocos. Junto com seus irmãos, Jom Tob e Rubem, foi criado na tradição judaica convivendo desde criança com os diversos elementos dessa cultura e identidade. Talvez essa aproximação com o judaísmo o tenha munido de chutzpah, a ousadia e coragem para desafiar ideias e imaginar algo nunca pensado, sem se preocupar em ir contra normas e padrões.
Cativante e irreverente, pedalava uma bicicleta-traquitana pelas ruas do Rio de Janeiro, em uma mistura de cientista maluco e artista tropicalista. De sua imaginação efervescente surgiu a Turma do Lambe-Lambe, seu maior sucesso. Criado em 1975, o grupo de simpáticos personagens ganhou vida em tirinhas de jornais, gibis, programas de televisão, campanhas publicitárias e produtos diversos. Gilda, Damiana, Professor Pirajá, Piparote, Tristinho, Pita, Xicória e Ritinha, todos saídos da ponta do lápis de Azulay, compunham essa turma inusitada em que a graciosa vaca Gilda tomava banho de espuma cantando Rita Lee, enquanto a galinha-secretária Xicória tentava organizar o laboratório do Professor Pirajá.
Naquele mesmo ano, iniciou sua carreira na televisão, quando a extinta TV Educativa, seguida pela TV Bandeirantes no ano seguinte, começou a transmitir Daniel Azulay e a Turma do Lambe-Lambe, programa que ganharia uma legião de espectadores, transformando o desenhista em ídolo do público infantil, talvez maior do que os próprios personagens que criou. Durante o programa, ensinava as crianças a desenhar e a construir brinquedos de sucata, além de apresentar diversas referências eruditas, desde Platão até o surrealismo, de um jeito leve e didático. Sua forma de fazer televisão era quase artesanal; sem utilizar a parafernália que mais tarde marcaria os programas de auditório infantis ou criar uma persona, Daniel se comunicava de forma transparente com seu público, não o subestimando. Não é exagero dizer que muitos de seus seguidores começaram a desenhar assistindo a seus programas, o que fica evidente nas centenas de cartas dos fãs que chegavam toda semana aos estúdios da TVE e da Bandeirantes.
Apesar do estrondoso sucesso que a televisão lhe trouxe, a trajetória de Daniel Azulay não pode ser resumida a isso. Autodidata, começou a desenhar ainda criança com a ponta dos dedos, utilizando como superfície vidros empoeirados de carros; aos 12 anos, fez um curso de desenho por correspondência e nunca mais parou de rabiscar. Seu primeiro desenho foi publicado na seção de palavras cruzadas do jornal O Globo quando Azulay tinha apenas 15 anos. Apaixonado pelo cartum estadunidense, inspirou-se nos traços de artistas como Bob Kane, Will Eisner e Saul Steinberg para criar seus primeiros personagens ainda para o público adulto. O primeiro foi o Capitão Sol, em 1967, e, no ano seguinte, o Capitão Cipó, um super-herói que estampou diariamente as páginas do Correio da Manhã. Em 1969, durante uma viagem a Israel para os torneios Macabíadas, ficou fascinado pelas figuras religiosas que encontrou por lá. Desse mergulho surgiu o álbum Jerusalém, uma série de ilustrações em nanquim que talvez seja seu trabalho de desenho mais maduro graficamente.
Com uma produção multifacetada e inspiradora, e a capacidade de amalgamar arte e educação, despertou a paixão pelo desenho em seus seguidores, moldando inúmeras mentes criativas. A partir de uma seleção em seu acervo pessoal, que hoje está sob a guarda de sua esposa Beth Azulay, Algodão doce pra você! De férias com Daniel Azulay pretende não só resgatar a memória desse artista para seu antigo público, mas também apresentar seu legado às novas gerações. Ao adentrar o espaço expositivo, o visitante – seja criança ou adulto – é convidado a mergulhar no universo múltiplo e estimulante de Daniel Azulay, pronto para sair de lá rabiscando e inventando personagens e histórias fantásticas. “Algodão doce pra você!” agora ecoa como um doce tributo a um artista que coloriu a infância de muitos e deixou um impacto duradouro no panorama cultural brasileiro.
Mariana Lorenzi
Curadora